Aurélio Agazzi, acadêmico de Gastronomia da Estácio/FIB e proprietário do restaurante Osteria del'Agazzi
INTRODUÇÃO
O tabuleiro da baiana é um ícone representante de nossa cultura, de nossa historia, prova de nossa miscigenação. Nele estão reunidos estimulantes para todos os nossos sentidos, sabores exemplares de uma assimilação cultural de três povos distintos em perfeita harmonia. A cozinha baiana como um todo representa a fusão das culturas do português, do indígena e do africano.
No decorrer do tempo, o tabuleiro se transformou com novas ofertas em seu cardápio, ora acrescentado receitas, outras vezes modificando preparações ou incorporando novidades e ainda suprimindo ao gosto do povo em sua relação de prazer com os petiscos da baiana.
O caruru é indígena, os camarões não estavam nas primeiras preparações, vieram depois. O africano não usava a fritura originalmente. E o vatapá lembra um prato português, a purea. O bolinho de estudante usa a tapioca indígena, mas é transformado em seu sabor pelo processo da fritura e a junção do coco. O acarajé frito no dendê é especialidade de Salvador, na Bahia, pois esta óleo é costume local.
Atualmente o tabuleiro da baiana tem: acarajé, abará, vatapá, camarão, jardineira de tomate e cebola (conhecido como vinagrete), acará, passarinha, bolinho de estudante, molho de pimenta e cocadas em um cardápio vivo e a cores. O caruru segundo relatam está em desuso, pois os clientes não pedem mais.
ORIGEM
Após a obtenção da liberdade, através da carta de alforria, os afro-descendentes buscavam uma saída para seu sustento. Alguns se mantinham empregados de seus antigos senhores, outros estabeleciam roçados e havia aqueles que partiam para um negócio: o tabuleiro, para vender nas ruas os quitutes e preparações que já encantavam o paladar de muitos. Algumas receitas foram aprendidas na Casa Grande outras serviam para reverenciar seus deuses (orixás) cultuados nas senzalas. Ofertar o alimento transcende o mundo físico e material e atinge a divindade na medida em que o alimento é vida e renovação.
Assim o tabuleiro da baiana ganha dimensão extra-sensorial, atravessa o tempo, fundindo culturas, absorvendo influências e descobrindo novos sabores. A cozinha africana funde-se a cozinha indígena e eclode uma cozinha afro-baiana com uso de ingredientes brasileiros. Ao africano foi reservado o serviço culinário e o serviço de mesa. Não foi difícil para as cozinheiras assimilar novos ingredientes, inovando pratos portugueses para seus senhores. Pratos criativos, com base na sua cozinha, mas com influencia indígena absorvendo o amendoim, o quiabo, a castanha de caju, a pimenta de cheiro, a mandioca, a taioba e a técnica de moquém. Onde o português usava azeite de oliva, o africano utiliza o azeite de dendê, com sua cor, sabor e aroma fortes e característicos.
VARIEDADES DO CARDAPIO
"O tabuleiro da baiana tem/ Vatapá, caruru, mungunzá tem ungu pra Ioiô / se eu pedir você me da /o seu coração, seu amor de Iaiá / No coração da baiana também tem / sedução, cangerê, ilusão, candomblé / prá você..." Dorival Caymmi
ACARAJÉ – Este bolinho feito de feijão fradinho descascado e pilado, temperado apenas com sal e cebola ralada é o encanto para o paladar de baianos e turistas. Depois que a massa é batida na panela, a baiana vai colocando as colheradas na bacia com azeite de dendê fervente.
ABARÀ – a massa é a mesma do acarajé preparada com feijão fradinho descascado e moído, mas no tempero além do sal e da cebola, se acrescenta o azeite de dendê e o camarão seco. Depois a massa é enrolada na folha verde de bananeira, com dobradura especial e arrumado na panela onde vai ser cozida. Pode ser cozido em banho-maria ou então no vapor.
MOLHO DE PIMENTA FORTE – para acompanhar os bolinhos preparados com feijão. Assim como a salada de tomate e cebola e/ou camarão para recheio dos mesmos.
BOLINHO DE ESTUDANTE – esta é uma iguaria doce feita com tapioca, frita em óleo ou azeite de oliva, depois passado numa mistura de açúcar e canela.
COCADA – feita com coco ralado e rapadura ou açúcar branco conforme a variedade, preta ou branca.
PÉ DE MOLEQUE – outro doce preparado com açúcar e amendoim em porções generosas.
Há muito tempo não se encontra, mas o cardápio do tabuleiro também pode ter acaçá (bolo de milho cozido na folha da bananeira) branco ou amarelo, mingau de milho ou tapioca
CARACTERÍSTICAS SENSORIAIS
Os sensores humanos são despertados pela preparação do acarajé, a começar pelo aroma inconfundível do óleo de palma ou azeite de dendê que emana em toda cidade de Salvador, especialmente nos fins de tarde. A cor amarela brilhante que doura os bolinhos traz encantamento aos os olhares dos clientes habituais e turistas desavisados de seu sabor forte e característico. A pimenta usada de maneira desmedida está presente na cozinha africana inteira ou socada, nos caldos de peixe e nos pirões. Também está presente para desperta a sensação de ardor, o que para uns é delícia e outros consideram punição.
CONCLUSÃO
De uma coisa se sabe, esta mistura de sabores e culturas marcou o surgimento de uma nova cozinha, que hoje não é africana, nem européia, nem indígena: é baiana. O tabuleiro representa uma parte da cozinha baiana, chamada cozinha do Recôncavo, pois a extensão de sua riqueza vai mais além.
È notório, pois que a Bahia encerre a superioridade e excelência também na arte culinária, que soube juntar os elementos de forte e exótica condimentação com as iguarias portuguesas e aproveitando os ingredientes brasileiros e indígenas, resultando em um produto nacional, saboroso, agradável e que justifica a fama desta cozinha, bem representada pelo tabuleiro da baiana.
REFERENCIAS
QUERINO, Manuel. A arte culinária na Bahia. Bahia: teatro XVIII, 2006.
RADEL, Guilherme. A cozinha sertaneja da Bahia. Salvador, BA, 2002
CASTRO, Francisco Nilton. Comida se tempera com cultura. Rio de Janeiro, 2002
FARIA, Sheila de Castro A colônia brasileira: economia e diversidade. São Paulo, 2004
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